4 de mai. de 2009

Para refletir













Ano passado fui em uma festa no colégio da minha filha era a "festa da família", lá os alunos fizeram várias apresentações de dons que cada um possuía e que ás vezes por não serem bem explorados, ninguém nem fica sabendo que existe.




Tinham crianças que iam ao palco falar de como seria importante se eles tivessem uma família de verdade. A família que eles referiam eram compostas de pai, mãe e irmãos. A maioria daquelas crianças eram criados pelos avós ou moravam só com a mãe, ou só com o pai, porque vinham de casamentos desfeitos, eu fiquei imaginando o que era a minha família.




Quando adolescente ainda, meus pais se separaram e nós ficamos com a minha mãe. Ela ficou sendo nosso pai e nossa mãe por toda vida, porque meu pai sumiu por uns 8 anos e não dava nem sinal de vida, muito menos pensão. Mas, tínhamos em mente que apesar dele ser nosso pai, nos deixou na mão e tivemos que nos virar sem ele, porque não podíamos mais contar com ele, pra nada.




Éramos felizes assim mesmo. Nunca esqueci meu pai, mas também nunca guardei rancor, somente não conseguia sentir falta dele, já que ele não dava margens pra isso.




Via em novelas de TV, os pais se separarem, mas brigarem pelas guardas dos filhos, discutirem quando e quem ficaria com o pequeno e quando que o outro poderia visitar e essas coisas me comoviam. Como é que meus pais não pensaram nisso? Será que naquela época, isso não era moda?




Bem, mas de tudo que vi e ouvi na festa, uma coisa me chamou atenção. Foi uma palestra dada por um casal que já tinham filhos formados e casados e alguns netos e que jamais deixaram de ser uma grande Família. Que segundo eles explicaram, não era apenas composta de pai, mãe e filhos. Mas de muitos amigos, irmãos, companheiros. Essas coisas teriam que estar sempre interligadas, por mais que algum deles um dia se separasse e fosse para longe por qualquer motivo. Eles deveriam e sempre seria assim, ficarem juntos, pensar e se preocupar uns com os outros e serem verdadeiramente amigos, companheiros , irmãos.




Achei muito interessante o tema em questão, pois existem famílias numerosas que só moram juntas. Não se apegam uns aos outros. Muitos menos possuem vizinhança. É cada um na sua e ninguém sabe de ninguém dentro de uma casa cheia de pai, irmãos, mãe, avós. Impressionante como isso era verdade. Muita gente presente se identificou com o mesmo tipo de problema. Pessoas que se dizem ser da mesma família, moram juntas e não se conhecem.




Sabem tanto uns dos outros como qualquer um estranho, ou seja, nada.




Não é só dentro de um lar que existe esse tipo de problema, mas também a chamada vizinhança está se acabando aos poucos. A violência está trancando todo mundo dentro de casa e a TV, computador e games são companheiras inseparáveis de muita gente. E acaba que ninguém mais tem vizinhos pra bater um papo, fazer amizades reais, ao invés de virtuais, emprestar um copo de açúcar, dar uma carona pro trabalho, dar um "bom dia", com um sorriso no rosto. Essenciais e indispensáveis ao ser humano, a sociedade está se extinguindo aos poucos.




E no final de toda festa, deram um texto da autora Marina Colasanti, para nós lermos em casa e refletirmos sobre o mesmo. E agora, concordando e lamentando a verdade que há no texto, decidi publicá-lo aqui para que vocês leitores do meu blog, possam também refletir e quem sabe resgatar algo de bom que esteja fugindo de você. Boa leitura.





















Eu sei, mas não devia



Marina Colasanti








Eu sei, mas não devia. Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.







A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.







A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo, porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo de viagem. A comer sanduíches porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.







A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz [...].







A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: "Hoje não posso ir". A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisa tanto ser visto.







A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necesita. A lutar para ganhar o dinheiro com que se paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar muito mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.







A gente se acostuma a andar nas ruas e ver cartazes. A abrir revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.







A gente de acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias de água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinhos, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.







A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio; a gente se senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só o pé e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre o sono atrasado.







A gente se acostuma para não ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma a poupar a vida. Que as poucos se gasta, e que de tanto se acostumar, se perde de si mesma.










(Em reunião técnica sobre recursos instrucionais na formação profissional . São Paulo, Cenafor, 1985)










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